((((Quases)))) ecoam nos meus pensamentos e eu nem sei
dizer desde quando. Acho que foi Emílio quem me fez parar para pensar
na delicadeza do quase pela primeira vez, uma espécie de não-algo
que é algo, por assim dizer. Nem sei como explicar esses
micro-abismos, pequenas rachaduras na alma, milhões de pedaços,
partes desconexas da mesma pessoa inteira, mas inacabada. É como se
cada um estivesse se continuando dentro, sabe? No meu próprio
paradoxo espaço tempo.
Emílio, assim como o quase, é uma espécie de sujeito oculto em si,
desses tipos que vivem em terceira pessoa, embora singularmente. Mas
voltemos ao quase, existe beleza e, por vezes, certa tristeza neles, costumam
viver bem naquela hora em que a ideia surge reluzente, antes de
parecer boba. Um lugar onde os sonhos não foram acordados e estão
se realizando, procriando sozinhos, onde aquela frase foi terminada,
a mensagem foi enviada, onde faz mais sentido ser do que estar. Os
quases moram lá, nesse lugar onde deixam de ser advérbios e passam
a ser deuses, a criar seus próprios verbos, os próprios destinos,
assim como Emílio, acho.
Meus quases poderiam ser catalogados em ordem alfabética ou grau de
importância, mas como nunca fui dada a esse tipo de organização,
acabo perdendo, esquecendo ou tropeçando nessas promessas
moribundas. Emílio poderia ser rockstar e pular na platéia suado
sem camisa, ou romancista e criar um personagem chamado Emílio que
gosta de filosofar com a caneta entre os dedos. Nem sei o que é de
Emílio hoje em dia, mas vez em quando, nesses momentos em que
ninguém está por perto, gosto de falar o nome dele em voz alta,
E-M-Í-L-I-O, só para ouvir o som das vogais se misturando
avantajadas, rendendo as duas únicas consoantes. Parece uma batalha
violenta, mas não, estão se roçando em movimentos delicados e
sensuais, parece uma dança, mas Emílio provavelmente nunca se deu
conta.
Tenho vontade de contar a Emílio tudo que sei sobre os quases, mas
ele deixaria de ser um dos meus favoritos, dos bem sucedidos, tão
bem sucedido... Tanto que às vezes penso ser eu a ideia inacabada
dele, como se nem tivesse chegado a me transformar em personagem e
agora eu estivesse me continuando sozinha, tropeçando nos meus
próprios conflitos enquanto ele assiste achando graça e torcendo
para que eu nunca me termine. Emílio é tóxico, dessas pessoas
vivas demais, você se aproxima e não quer mais sair de perto.
Depois que ele vai embora você continua tentando marcar o próximo
encontro, a próxima dose. Todos que conhecem Emílio são viciados
nele, mas ele não sabe ou finge não saber.
Mais uma vez, voltemos aos quases, o que estou tentando dizer é que
todo quase guarda em si o acidente da perda, por mais que resultem ou
sejam resultados de ganhos. Não sei ao certo como cheguei a esse
ponto, mas essa é a síntese do que penso sobre os quases e já não
tenho mais certeza se foi ideia minha ou de Emílio.